terça-feira, 16 de agosto de 2011

A importância das diferenças


É bastante comum que cada grupo de pessoas pense que a existência de outros grupos é um fardo. Por exemplo, muitos ateus acreditam que o mundo seria muito melhor se não houvesse religiões. Eu também pensava assim. Espíritas, se não me engano, costumam pensar que membros de outras religiões estão num estágio evolutivo mais “atrasado”. Cristãos têm o costume de achar que quem deliberadamente “rejeita” a Deus ou à sua religião comete um pecado mortal e está um passo mais próximo do inferno. Mas um judeu engraçado ensinou-me uma verdade ridiculamente óbvia que eu não conseguia enxergar por mim mesmo: as diferenças não são um fardo, pelo contrário, são benéficas e essenciais.

Voltemos à idade média. Como se sabe, a Igreja Católica era muito intolerante: qualquer um com opinião contrária era mandado à fogueira. Ela realizou guerras e chacinas sem sentido, foi uma tremenda estupidez. Mas, onde ela errou? Qual foi seu grande pecado? Para encontrar a resposta, é necessário levar outro fator em consideração, o povo: não se realiza guerras sem um exército e nem chacinas sem súditos leais. Lealdade: esta é a chave. O que faltava eram pessoas que não fossem súditos da Igreja. Ou seja, o mundo precisava de ateus, de céticos que chegassem na cara do papa e falassem: você está sendo um tremendo estúpido! E onde estavam, afinal, estes céticos que não apareceram?

Eles foram queimados!

Estava aí a grande esperteza da Igreja: ela sabia que, no momento que pessoas começassem a duvidar e a questioná-la em público, as pessoas perceberiam a aberração que eles estavam cometendo contra a natureza e deixariam de ser súditas leais da Igreja. Ela perderia seu poder e se colocaria no seu lugar. O grande pecado dela foi achar que ela não precisava ser questionada, pois, é claro, a Igreja é fonte de toda a verdade, não é? Para ela, os inimigos eram um estorvo desnecessário e não fariam a menor falta, eram descartáveis.

Ela não poderia estar mais enganada!

Mas ela, ao contrário do que se pensa, ainda não aprendeu essa lição: ela ainda comete o pecado do orgulho de acreditar que ela possui as chaves do céu. Ela reconhece os erros que cometeu, mas não os que ela comete, especialmente o erro de considerar a apostasia um pecado mortal.

É comum o catolicismo afirmar que a Igreja é um corpo e cada membro dela é uma parte deste corpo. Um corpo não funciona sem as partes, uma perna não consegue andar sem o resto do corpo; sem os olhos, o corpo não saberá para que lado andar. A comparação faz sentido, mas está errada: a igreja não é o corpo, é muito egoísmo por parte dela afirmar isso. O corpo é o mundo, a humanidade. Os católicos formam apenas uma parte deste corpo e, sendo assim, não podem andar para o lado certo sem o resto, sem os que não são católicos. Apostasia não é pecado, é uma vocação!

Nós ateus somos chatos, perturbamos a paciência e o sossego dos religiosos, sim, é claro. Ai de nós se não o fizéssemos! Estamos apenas fazendo o que os céticos dos dois últimos milênios ou mais não tiveram a oportunidade de fazer. E chegamos tarde, mas estamos de volta!

É muito comum em discussões os ateus atiçarem os cristãos apontando as chacinas da bíblia e da Idade Média, e, como resposta, os cristãos citam Hitler, Stalin e Mao. Bem, Hitler definitivamente não era ateu, mas isto é irrelevante: não foi ideologia alguma que fez deles assassinos, mas sim a intolerância. Podemos até dizer que o que os tornou assassinos foi a falta de outras ideologias.

Todos os que eram obedientes à Igreja Católica tinham muito a aprender com os ateus teimosos que eles cegamente jogavam à fogueira. Eles eram obedientes demais, os céticos rebeldes que eles queimavam fizeram-lhes falta. Todos os que ajudaram a Hitler também não foram inteligentes em jogar judeus nas câmaras de gás. Ao longo dos séculos, o judaísmo foi um povo que viveu em meio a outras culturas, praticando-as, escondido por medo da constante dominação e perseguição pelas religiões predominantes do mundo. O resultado é que, de um povo que aparentemente gostava de invadir o território de outros povos e matar todos os que ali se encontravam, originou-se um povo que valoriza a variedade cultural e isso se reflete inclusive no que eles acreditam: para eles, a existência de diferentes crenças é a vontade divina, cada uma delas serve a um propósito. E eles não acreditam em inferno. Os nazistas, crentes que eram uma raça superior e que seriam capazes de dominar o mundo, perderam a chance de aprender com os judeus que não existe raça ou cultura superior. Se eles não eram superiores, a guerra evidentemente seria, e foi, suicídio. Bastava-lhes aprender esta lição com os judeus para evitar esta tremenda tragédia.

Por que que homofóbicos costumam dizem tantas besteiras a respeito da homossexualidade? É que eles fogem dos homossexuais! Como poderiam eles dizer algo sensato se não têm experiências que não as puramente teóricas? Ou se as opiniões que eles ouvem são de pessoas tão tendenciosas quanto eles mesmos? O padre Fábio de Melo afirmou ser surpreendente o fato de homossexuais saberem a importância de não se ter preconceito e do respeito. Mas isto não é surpreendente, muito pelo contrário, isto é óbvio! Quem mais sabe sobre preconceito senão aqueles que o sofreram? Quem entende mais de violência que os violentados? E quem compreende melhor os homossexuais: eles mesmos ou os padres? Como poderia um bispo entender de estupro?

Não é claro que existe violência excessiva contra homossexuais? Pois a única cura para este problema são os próprios homossexuais! Só eles carregam o conhecimento e a experiência para entender e combater esta violência que está à tona. Por que as pessoas procuram padres para entender a homossexualidade? Ou para entender de sexo, camisinha, aids? O que poderia um celibatário saber a respeito disso? Como seria possível aprender a amar os inimigos dentro de uma igreja se estes não costumam aparecer por lá? E por que raios as pessoas procuram respostas na bíblia para problemas do mundo real?

Aprenda esta lição, caro leitor: o homem escreveu a bíblia e Deus criou o mundo! Qual dos dois poderia ser mais belo e dar as respostas certas? Se Deus existe da forma que costumam afirmar, foi ele quem criou as diferenças, tanto de raça quanto de religião, e criou inclusive os homossexuais, exatamente como eles são.

A palavra tolerância está viciada, lembra aturar, mas tolerância não tem nada a ver com aturar. Tolerância não é um fardo, pelo contrário, é um alívio e traz benefícios. Intolerância, por outro lado, é um enorme fardo a se carregar, além de ser um imã potente para a raiva e a violência. E ainda por cima os intolerantes nem sequer têm o direito reclamar ou de fazerem-se de vítimas. Embora eles sempre reclamem e se façam de vítimas, pois, é claro, eles acreditam serem vítimas.

A noção corrente é que Jesus amava os inimigos porque era bom, altruísta. Daí a desculpa (esfarrapada) se usa para a intolerância é que ninguém é perfeito como o Cristo, ele era filho de Deus, era perfeito, não pode ser usado para comparação. Mas e se Jesus não era bom? Será que ele não sabia que, quanto menos inimigos ele fizesse, melhor para ele, melhor para a sua causa? Mais pessoas apoiariam a sua causa, mais força ele teria para acabar com a hipocrisia dos fariseus e sacerdotes e para combater a pobreza que assolava Israel da qual ele mesmo era vítima? E se Jesus era apenas inteligente? Não amar os inimigos não é falta de bondade, é burrice!

Gandhi estava em jejum, ele prometera não comer nada até que se desfizesse a violência que havia na cidade de Calcutá entre hindus e muçulmanos. Não havia quem o convencesse a comer, estava fraco, deitado, não podia levantar-se.
Nahari: Coma! Coma!
Eu vou para o Inferno, mas não com a sua morte na minha alma!
Gandhi: Só Deus decide quem vai para o inferno.
Nahari: Eu matei uma criança! Esmaguei a cabeça dela contra a parede!
Gandhi: Por quê?
Nahari: Porque eles mataram o meu filho! Meu menino! [indicando a altura do menino] Os muçulmanos mataram o meu filho!
Gandhi: Conheço um jeito de escapar do Inferno. Encontre uma criança, uma criança cujos pais tenham sido mortos, um menino mais ou menos desta altura [indicava a mesma altura] e crie-o como seu.
Apenas certifique-se de que ele é um muçulmano e que você o crie como um.
Gandhi (Filme, 1982)

Eis, pois, o meu recado para cada religioso, especialmente entre os cristãos e muçulmanos, em nome dos ateus e céticos, ou, ao menos espero, em nome de uma boa parte deles: não somos seus inimigos. Acredite quando eu digo: você tem muitos inimigos, mas, por mais estranho que pareça, nós não somos um deles! Os seus inimigos também são os nossos. Não estamos aqui para acabar com a sua religião ou com o seu direito de segui-la, mas para acabar com a ignorância. Estamos tentando fazer com que você veja as coisas que você não quer ver e que pense a respeito das coisas que você tem medo de pensar. Precisamos, sim, ser importunantes, não existe outra maneira, mas isso não significa que queremos o seu mal, muito pelo contrário!

Veja quanto o mundo mudou porque alguém teimou em dizer que o mundo é redondo. Não existe mais a Inquisição, as pessoas ganharam liberdade de crença e de expressão, a Igreja Católica perdeu grande parte do seu poder político e pediu desculpas pelos seus erros do passado, os Estados tornaram-se laicos... E por que os questionadores ainda são vistos como pessoas más e tendenciosas? Por que que aqueles que querem que as coisas tomem um rumo diferente ao invés de voltar às raízes religiosas ainda são vistos com desprezo? Por que que as pessoas ainda não aprenderam a ouvir antes de formar uma opinião contrária a respeito do que não conhecem? Por que elas insistem em ver só um lado do poliedro?

O mundo está mudando, a onda de informações está fazendo com que as religiões recuem cada vez mais. Queira você ou não, a sua religião está ameaçada. Se você acredita que a sua religião é verdadeira e se a sua intenção é que ela sobreviva, você precisa aprender a ouvir, a pensar e a questionar, você precisa se informar para defender o seu ponto de vista. Ninguém o fará por você! Mais do que isso, você não pode ter medo da verdade! E se a sua concepção de mundo não for a correta? E se você estiver na religião certa, mas ter a concepção errada dela? E se você estiver na religião errada? E por que que para você nós obviamente estamos errados? E se o nosso ponto de vista não for tão tendencioso quanto você pensa? E se no fundo a gente tiver razão? Se você tem tanta fé no que acredita, que mal faz questionar, conversar, discutir?

Pelo que me consta, qualquer ideologia que se isola das demais tende ao exagero e consequentemente ao fracasso em alcançar os próprios ideais que são pregados. Infelizmente, esta é a reação normal do ser humano: fugir dos que discordam e, por consequência, tornar-se ainda mais fanático ao seu próprio mundo. Enquanto isso, o mundo real fica dividido, esta é a condição do mundo atual.


Por outro lado, quando existe apenas uma forma de ver o mundo, não há divisão, mas também não há diferenças. A aparente igualdade entre as pessoas é antinatural e só pode existir sob pressão. Nesta situação, ninguém segura as rédeas da fera. A ideologia corrente toma a sua forma mais maliciosa, os problemas vão ao extremo, a pressão tende a aumentar até que se perca o controle e tudo vá para os ares. Isso é o que acontece com indivíduos, não é diferente com grupos de pessoas ou com países: considere, por exemplo, a Idade Média e ditaduras em diversos países.


Se, ao invés disso, pessoas de diferentes formas de pensar estiverem dispostas a deixar o seu orgulho de lado e escutarem umas às outras e refletirem a respeito disso, as diferenças se complementam. Não se deve tentar fazer com que as pessoas vejam o mundo da mesma forma nem que elas concordem com os mesmos princípios, não é este o objetivo: pessoas diferentes resolvem problemas diferentes e as diferenças transformam-se em solução. Exemplos são as histórias de Mahatma Gandhi, de Jesus Cristo e de Buda. Gandhi, penso eu, é o melhor exemplo.


3 comentários:

  1. Excelente texto, aplausos; muita gente deveria ler isto.

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  2. Prezado Gustavo
    Vejo que voce é uma mente aberta a questionamento e tolerante aos divergentes.
    De fato as diferenças são naturais e nisto ha um grande propósito inteligente.
    Entre bilhões de criaturas todas são unicas em personalidades.
    Eu tenho razões pessoais para ser um teista , ainda assim frequentar blogs ateus, pois voces me fazem pensar e rever certos conceitos.
    Não se iluda, eu disse no D.I que o dia que ateus passarem a ser maioria milagres existirão, pois as religiões sempre existirão , devido as evidencias pessoais serem inevitáveis.

    Criaturo

    sds

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  3. Evidencias pessoais não são inevitáveis, o que é inevitável é as pessoas terem a ilusão de que estão tendo uma experiência sobrenatural.

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