segunda-feira, 30 de maio de 2011

Carta aberta: resposta ao texto "A revolução sexual destrói a família"

O texto original encontra-se aqui.

Indignado com o texto, resolvi e enviar um e-mail de resposta ao autor. O texto enviado encontra-se abaixo.


Caro senhor Alfredo MacHale,

Gostaria de fazer uma reclamação quanto ao artigo publicado na Internet "A revolução sexual destrói a família". Espero que você leia com atenção e não tome uma posição contrária "automática", sem ler o texto.

Você colocou que a Espanha "afrontou" o papa ao permitir matrimônio entre homossexuais e divórcio express. Devo lembrar-lhe que a Espanha não deve nenhuma obediência ao papa. A separação entre igreja e estado é essencial para a sociedade, simplesmente porque o estado deve lidar com pessoas de todas as religiões, inclusive pessoas sem religião. Outro grupo de pessoas que não deve obediência ao papa são os homossexuais, até porque a maioria deles não são católicos (até onde eu sei). Do ponto de vista do estado (e do meu ponto de vista), a opinião do papa não é mais valiosa do que a opinião do Dalai Lama ou até mesmo de um mendigo que eu encontre na rua: todos são iguais até que os argumentos utilizados para defender seu ponto de vista sejam melhores que os apresentados por outra pessoa.

Simplesmente não entendo onde você estava com a cabeça quando implicou que a Espanha deveria obedecer ao papa, voltaríamos à Idade Média. Não seria completamente injusto se um líder hindu ditasse que católicos agissem de acordo com a doutrina Hindu baseando-se nos livros sagrados ou nos costumes deles? Por exemplo, eles costumam separar as raças em hierarquias. Imagine se você fosse um católico negro vivendo na Índia e os hindus dissessem que negros não podem se casar. Não seria preconceito? Você não lutaria por seus direitos? E se um líder de estado fosse contra o casamento de negros, você também não deixaria de reconhecer a autoridade dele e o atacaria como racista? Alguns mórmons mais radicais, por exemplo, acreditam que a cor negra é uma "maldição divina" e que inclusive um negro, se tivesse fé o bastante, poderia gradualmente tornar-se branco. Essa me parece ser exatamente a posição da Igreja Católica frente à homossexualidade: um homossexual pode tornar-se heterossexual se tiver fé, como se homossexualidade fosse uma maldição, o que faria dos heterossexuais uma "raça superior".

Então você poderia argumentar que homossexualidade é uma escolha, ou é uma doença. Neste caso, eu diria (imagino) que você não é psicólogo e que não realizou estudos detalhados sobre o assunto para poder tomar essas conclusões, mas essas ideias, na verdade, não passam de palpites. Bem, acontece que estudos psicológicos a respeito de homossexualidade têm outro "palpite": o palpite que homossexualidade é natural, não é uma doença (ou seja, não é prejudicial), não tem origem hormonal e não é uma escolha, pois a origem do homossexualidade está em uma complicada relação entre a formação inicial do feto e a genética.


Quando havia escravidão no Brasil, ela era não só permitida, como apoiada pelas autoridades, pela Igreja e pela bíblia. Há escravidão em várias partes da bíblia, noto em especial em Ex 21,20-21, onde a bíblia diz explicitamente que lhe é permitido bater num escravo, desde que ele se cure em um dia ou dois (imagine espancar uma pessoa a ponto que esta não consiga andar direito por um dia!) porque seu escravo é sua propriedade. Você poderia citar partes da bíblia que tornam a escravidão injustificada, mas o que faz uma parte da bíblia melhor do que outra, de forma que a parte que fala contra escravidão é mais importante daquelas muitas que permitem a escravidão? A única coisa que diferencia estas interpretações é a sua própria moral, é o que você acha que é certo, isso faz parte do seu ponto de vista. Da mesma forma, você usa o seu ponto de vista para usar as partes da bíblia que condenam a homossexualidade, mas você simplesmente não pode garantir que esse é o ponto de vista de Deus.

Acredito que você concorde que escravidão seja ruim. Se nós voltássemos àquela época, estaríamos indo contra a sociedade, as tradições e até contra a Igreja ao acreditar que escravidão é ruim. Eles até diriam que você estaria indo contra a vontade divina, contra a autoridade do Estado e do papa. Se você convencesse um grupo de pessoas daquela época que escravidão era desumana, haveria protestos contra o seu grupo e, devido à violência da época (novamente, violência que não só era justificada como praticada pela Igreja), você acabaria sendo morto. Isso é exatamente o que os homossexuais enfrentam hoje: o preconceito criado pelas "tradições e crenças" da sociedade que são apoiados por uma religião e pelo seu livro sagrado.

Mas preconceito é preconceito, não importa se é justificado pela religião ou por um livro sagrado. Se é assim com respeito ao racismo, por que seria diferente quando se trata de orientação sexual?

Aliás, você é hipócrita no seu texto. Numa hora, você critica os homossexuais por estes criticarem as autoridades quando estas se mostram homofóbicas, dizendo que eles não reconhecem as autoridades. Depois, você mesmo critica as autoridades por permitirem o aborto e o casamento entre homossexuais. Decida-se: as autoridades são absolutas e estão acima de qualquer crítica ou não?

Outro ponto que você mencionou é o ódio, mas eu vejo muito mais ódio em pessoas homofóbicas do que em homossexuais, inclusive eu vejo muito ódio no seu texto (pode ser mera impressão). Se os últimos às vezes se comportam de forma inadequada é apenas um meio de defesa. Não que isso justifique, mas eu não os julgo por isso.

Se é permitido demitir ou não contratar um homossexual meramente pelo fato dele ser um homossexual, então também deveria ser permitido demitir ou não contratar um católico por ele ser católico. Afinal de contas, o que faz do catolicismo uma raça superior, acima de preconceitos, que não se aplica aos homossexuais? Você critica os homossexuais por exigirem os mesmos direitos que todos os outros têm, e eu não consigo assimilar o absurdo desta propaganda. Não é direito de todos ter o mesmo direito que todos os outros? Não é parte essencial da sociedade a igualdade absoluta? Entretanto, você os critica por quererem tal igualdade! E, novamente a hipocrisia, você se reserva o direito de discriminar um homossexual, enquanto que este não poderia discriminar-lhe.

Então eu lhe pergunto: quem é que está de fato tentando se colocar num status claramente superior? Quem é que está se casando e impedindo que o outro se case? Quem é que está trabalhando e impedindo que o outro trabalhe? Quem é que se reserva o direito de acreditar no que quiser, mas sem dar ao outro o mesmo direito? E a regra de ouro, onde está, por que ela está de lado no canto? Ou será ela invocada apenas quando lhe convém?

Quanto ao PLC 122 (erroneamente denominado de projeto de lei anti-homofobia), você comete claros erros por desconhecimento. Na verdade, este projeto visa acrescentar à lei como sendo crime a discriminação por orientação sexual, além de discriminação por idade e deficiência. Note que quando se fala em discriminação por orientação sexual, trata-se de qualquer orientação sexual, seja heterossexual, homossexual, bissexual ou assexual. Se você não pode ser demitido por ser homossexual, você também não pode ser demitido por ser heterossexual. Este projeto de lei, se aprovado, também não vai impedir que as religiões considerem homossexualidade como "pecado" nem que essa ideia seja difundida, por pior que isto seja (lembre-se que preconceito é preconceito, não importa a desculpa utilizada). Entretanto, a lei impediria atos discriminatórios.


Finalmente, o ponto principal do seu texto é o que o próprio título diz, "a revolução sexual destrói a família". Qual a sua fonte para dizer que um casal de homossexuais não pode educar seus filhos tão bem quanto os heterossexuais? Quero dizer, algo real, algum estudo estatístico ou psicológico das crianças criadas por homossexuais para dizer que elas não serão bem sucedidas? E, por favor, tire essas estatísticas de uma fonte neutra, não de sites cristãos que costumam ser muito tendenciosos neste assunto.

O problema é que, se houver preconceito, é claro que o desenvolvimento das crianças criadas por homossexuais não será o mesmo, e, neste caso, claramente a homossexualidade não é a causa do problema, mas o preconceito. O mesmo poderia se dizer de negros há décadas atrás e, na verdade, até hoje os negros têm, em média, uma educação inferior à dos caucasianos, mas isso não justifica o preconceito.

Enfim, você deveria ouvir o ponto de vista do Pe. Fábio de Melo. Apesar de eu não concordar completamente com ele, ele tem um ponto de vista muito menos radical e muito mais tolerante que o ponto apresentado por você no texto.


Ainda que homossexualidade seja um "pecado" aos olhos de Deus, ainda que não faça parte do plano divino para o mundo (mas se não faz parte, por que ele fez as pessoas assim?) e ainda que fosse melhor que os homossexuais simplesmente "vivessem na castidade", como sugere a Igreja Católica, você não tem o direito de julgar ou de ditar como as pessoas devem se comportar. Você tem o direito ao seu ponto de vista, e também o direito de expressá-lo, mas você deve aceitar as pessoas exatamente como elas são, com as escolhas que elas fazem, independentemente de você concordar ou não.

Engraçado é que, por mais que o comportamento da maioria dos católicos (e cristãos) com respeito a este assunto e outros assuntos mais controversos da sociedade atual seja completamente contrário aos ensinamentos fundamentais de Jesus Cristo (não julgar, amar o inimigo, sentar-se à mesa com os publicanos, não atirar a primeira pedra), eles ainda justificam seus atos na sua fé, dando mais valor ao sacrifício que à misericórdia (novamente contradizendo o próprio Cristo), e mais valor aos preceitos e tradições que ao próprio ser humano. O que é mais importante, o ser humano o aquilo em que ele crê? O que seria da crença sem o ser humano para tê-la? O que seria dos ideais de humanidade e de moral, se não houver alguém para lutar por eles?

Os que se dizem seguidores de Cristo parecem ser, ironicamente, os últimos que seriam capazes de tirar o burro do poço num sábado, ou seja, não têm a capacidade de deixar o criticismo e o seu fanatismo de lado para poder estender a mão ao inimigo, conhecê-lo e tornar-se seu amigo, sem a reserva de que antes ele se torne como você, que ele passe a crer no que você crê e a se comportar como você quer que ele se comporte. Afinal de contas, não é fácil deixar o seu próprio orgulho de ser um "santo" para poder se misturar aos "pecadores". Não parece adequado um cristão relacionar-se de forma pacífica com um grupo de homossexuais, de espíritas ou de ateus, ouvindo-os para entendê-los e para aprender com eles, sem julgar, sem o orgulho de acreditar que é superior e que pode convertê-los.

Mas, queira você ou não, essa aceitação gratuita é o ensinamento mais básico que Jesus deu aos seus discípulos. Se este ensinamento é negligenciado, colocado como menos importante diante de toda a "teoria cristã", então cristianismo não merece o nome que tem, pois não tem nem sequer a base, de Cristo não tem nada. Cristianismo é uma espécie de fã clube em torno da figura de Jesus, assim como uma multidão fanática num show de música sertaneja aninha-se ao redor do cantor sem importar-se em conhecê-lo de fato. Pelo contrário, conhecem apenas a figura idealizada por eles mesmos, moldam-no de acordo com o que eles consideram ser o perfeito e idolatram este modelo, não o ídolo real. Infelizmente, ao adorar o modelo, idolatram a si mesmos e às "qualidades" que eles mesmos possuem, fazendo-se de si mesmos pequenos deuses, pequenos ídolos de ouro ou de cristal. E de novo aparece a tal hipocrisia, pela terceira vez.

Atenciosamente,
O Bandeirinha.

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