terça-feira, 12 de julho de 2011

Mania de controle

O fanático tem mania de criar regras, exigir que os outros as sigam e, quando estes não a seguem, se irrita, inventando que, sem estas regras, o mundo viraria um pandemônio. Mas, ao gritar-se “silêncio!”, cria-se barulho, e assim, com pessoas gritando regras por todos os lados, o mundo vira de fato um pandemônio. Algumas regras, é claro, são necessárias, mas, se a intenção é fazer as pessoas se rebelarem umas contra as outras e criarem traumas psicológicos, basta suprimir-lhes a liberdade. Os gritos provenientes dos maníacos por controle e disciplina tomam conta do ar e acabam com qualquer tentativa de silêncio.

Quando homofóbicos lutam a todo custo para impedir uniões homossexuais e que eles tenham os mesmos direitos dos cidadãos comuns, qual o resultado? Uma guerra. E, para piorar, os homossexuais incitam ainda mais este preconceito, provocando os homofóbicos, por exemplo ao vestir imagens de santos com roupas provocativas. Qual poderia ser a resposta a isso? Os que são contrários iriam por acaso arrepender-se, admitir que eles estão errados e que os homossexuais devem ter direito ao casamento, à igualdade? O que mais poderia ser esperado além da raiva? Não está óbvio que esta é uma forma contra-produtiva de tentar combater a homofobia?

O mesmo vale para os ateus que decidem entrar numa guerra aberta contra os religiosos, engajando-se num vale-tudo. Não, não importa qual o objetivo, não pode-se tentar institui-lo a qualquer custo e ignorar as consequências. Não somente porque não é correto, mas principalmente porque não funciona. Se o seu inimigo é fanático e não se importa com as consequências, então, aconteça o que acontecer, não o imite! Não seja um hipócrita, criticando os defeitos ao mesmo tempo que os espelha! Por exemplo, o próprio Cristo criticava os fariseus por rezarem em público e por dar valor ao sacrifício em vez da misericórdia, e quantas vezes ele dizia para amar os inimigos. Hoje em dia, alguém que menciona o nome de Deus para a própria glória é aplaudido e os cristãos fazem pressão para que as pessoas frequentem a igreja e sigam tantos outros rituais, enquanto que a misericórdia é reservada apenas aos “irmãos”.

Repito: não adianta fazer pressão. A não ser, é claro, que o objetivo seja esmagar. Quanto mais a Igreja Católica insistir na institucionalização do celibato, mais padres pedófilos surgirão. Quanto mais a juventude for iludida com a “santidade” da castidade, mais casos de gravidez na adolescência e de aborto por motivos de pressão social surgirão. Neste caso, eu sugiro que se faça uma escolha: o que é mais importante: que haja castidade ou que não haja aborto?

Enquanto os judeus tentavam a todo custo fazer com que Maria Madalena se arrependesse e deixasse de ser prostituta, e falhavam neste propósito, Jesus simplesmente a aceitou. Ao invés de atacar com unhas, dentes e pedras a mulher adúltera, ele a defendeu com um pedaço de pau e um punhado de areia. Pois ele sabia que basta aceitar as pessoas que elas resolvem seus próprios problemas.

É comum acreditar que os homossexuais são promíscuos e que estão prejudicando a si mesmos. Se isso tem algum fundo de verdade, a causa não é o homossexualismo em si, mas a cultura homofóbica que os rodeia. Ao invés de tentar adequá-los aos seus padrões de comportamento, deixe-os livres para que eles possam se adequar aos padrões de comportamento deles mesmos. Talvez tais valores não sejam tão baixos quanto você pense, e talvez sejam mais altos que os seus. Se, em algum momento, eles tentarem ferir os seus direitos no que quer que seja, então nós tentaremos buscar uma solução. Mas enquanto os homofóbicos tiverem mania de perseguição, insistindo em ver problemas onde não tem, mais e mais problemas vão surgir pelo caminho.

A mania de controlar os outros tem origem na mania de controlar o próprio corpo, os próprios desejos. Essa é a maneira errada de lidar com eles.

Considere, por exemplo, o encontro de Buda com os ascéticos. Conta a história que Sidarta Gautama, o Buda, após ter abandonado o palácio de seu pai e toda a extrema luxúria existente nele, procurava uma resposta sobre como lidar com o sofrimento, pois ele havia acabado de conhecer a doença, a velhice e a morte, fatos da vida que Buda até então não havia tido contato. Depois de ter procurado ajuda de líderes espirituais e os abandonado por perceber que os rituais não levavam a nada, ele encontrou-se com um grupo de ascéticos. Asceticismo é a prática de castigar o próprio corpo numa tentativa de libertar-se dele, libertar-se do sofrimento, tornar-se independente dos desejos humanos.

E Buda, seguindo os costumes dos seus novos companheiros de jornada, castigou-se ao extremo.
“Levarei a austeridade ao extremo,” pensou Gautama. “É assim que adquirirei sabedoria.” Ele praticava o jejum, o qual pensava-se ser um dos melhores caminhos à sabedoria. Ele vivia com um grão de arroz por dia, e depois, nem mesmo isso.1 Seu corpo tornou-se tão magro que suas pernas pareciam varas de bambu, sua espinha era como uma corda, seu peito era como o telhado incompleto de uma casa, seus olhos bem afundados, como pedras num poço profundo. Sua pele perdeu seu brilho dourado e tornou-se preta. De fato, ele parecia um esqueleto vivo - todos os ossos sem nenhuma carne! Ele sofria terrível dor e fome, e ainda continuava a meditar.2

Outra forma de torturar seu corpo era segurar sua respiração por um longo tempo até que ele sentisse violentas dores nos ouvidos, na cabeça e no corpo todo. Ele então perdia os sentidos e caía no chão. Durante a lua cheia e a lua nova, ele adentrava a floresta ou um cemitério para meditar, vestindo trapos que conseguia nos túmulos e em montes de lixo. Ele ficava amedrontado no início, especialmente quando animais selvagens apareciam, mas ele nunca fugia. Ele ficava para trás com bravura nestes lugares terríveis, meditando o tempo todo.

Por seis longos anos ele fez estas práticas e, apesar da grande dor e sofrimento, ele não encontrou sabedoria ou resposta para as suas perguntas. Ele finalmente decidiu, “Estas austeridades não são o caminho para a iluminação.” Ele foi mendigar pela vila por comida para desenvolver seu corpo. Quando seus cinco amigos viram isto, ficaram desapontados. Eles pegaram suas tigelas e mantos e saíram, não querendo mais relação nenhuma com Gautama.


1 A história obviamente foi exagerada, mas resolvi citá-la sem alteração para que se mantenha a poesia.

2 Eu não sou budista nem aprovo o incentivo à dependência da meditação por parte do texto. Parece-me que “meditação” para Buda significava meramente “reflexão” que ele aparentemente praticava em silêncio e de forma disciplinada, e não repetição de mantras ou manipulação dos chacras. Para mim é muito improvável que alguém desprovido de contatos com rituais religiosos durante os 30 primeiros anos de sua vida, conforme diz a história, e que dava tanto valor à razão e à discussão como Buda possa passar a dar valor a um conjunto de rituais os quais, de acordo com sua experiência prévia com eles, não traziam benefício algum.
Fonte (tradução livre)

No caso de Gautama, é claro que torturar-se para encontrar uma maneira de tornar-se independente do seu próprio corpo o tornava ainda mais dependente dele. O faminto não consegue concentrar-se em outra coisa que não sua própria fome e, por isso, torna-se escravo dela. Como é que Gautama, ao prender a respiração e praticamente desmaiar, seria capaz de encontrar a resposta para qualquer coisa que seja? O cérebro não funciona quando está inconsciente!

Se, ao contrário dos ascéticos, você tratar o seu corpo com respeito, se suas vontades mais fortes forem saciadas ao invés de combatidas, então o seu corpo lhe devolverá disposição quando você precisar dela. Seja amigo do seu corpo e ele será seu amigo. Seja inimigo dele e ele será seu inimigo. Não é possível arrancar uma ferida com uma faca.

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