segunda-feira, 27 de junho de 2011

A missa

Um número cada vez menor de pessoas continua a ir à missa e, verdade seja dita, se não fosse uma imposição, um número ainda menor insistiria em continuar a frequentá-la. Mas o que há de errado com a missa? A crítica mais comum é que ela é enfadonha, mas eu afirmo que este não é nem de longe o principal problema com a missa. O problema é que ela é inútil. Mas será que ela não deveria ser mais empolgante, mais atraente? Será que os cantos não estão desanimados ou enfadonhos demais? Acontece que, se for para se divertir, seria muito melhor ir a uma festa ou ao cinema, então este não pode ser o propósito. Talvez deveriam substituírem-se as tantas repetições de conteúdo por algo mais original, tirando o enfoque no ritualismo, no martelamento de ideias e na manutenção da dependência.

A maior crítica que eu tenha ouvido falar a respeito da missa é o fato dela ser entediante, marcada pelo texto decorado e repetido várias e várias vezes, com pequenas variações ao longo do ano, até que se inicie um novo e tudo se repita. É feita a leitura de um trecho aleatório da bíblia, dando a sensação que a história contada é desconexa do restante dela e perde assim todo o sentido, seguido ainda do monólogo desestimulado do pároco, que dificilmente apresenta grande sabedoria, conhecimentos históricos ou filosóficos a respeito da leitura. Com raras exceções, nem sequer se fala a respeito da leitura, a não ser, talvez, por uma vaga relação. Engraçado é pensar que esta vaga relação é implicitamente capaz de tornar um discurso em palavra sagrada, mais valorizada que o texto original.

Vamos supor, por simplicidade, que Deus exista e que Jesus, tal qual escrito nos evangelhos, era Deus. Quando se pergunta o motivo da missa, a resposta mais ouvida é que trata-se de apenas uma hora por semana que você dedica a Deus para mostrar-lhe o quanto você é grato pela sua vida, saúde, família, trabalho... Neste caso, não seria muito melhor, por exemplo, fazer algum trabalho voluntário, ajudar numa creche ou asilo? O seu agradecimento não seria muito mais evidente desta forma? Não só você estaria demonstrando que você está agradecido pela sua vida, saúde e disposição para trabalhar como estaria usando-as para ajudar outras pessoas, conforme o exemplo que ele mesmo deu quando veio ao mundo, não é mesmo?

Realmente, uma hora por semana é pouco, mas qual o propósito desta hora perdida? Por que é tão essencial que as pessoas sofram desconforto e culpa por não estarem prestando atenção no que é dito ou por dormir durante o ritual? O que o fiel ganha com isso? Ao deparar-se com esta pergunta óbvia, o que mais se houve é que ela é motivada em ingratidão: você vai à missa para agradecer a Deus, não para si mesmo. Bem, neste caso sabe-se e admite-se que os fiéis não ganham nada indo à missa, nem conhecimento, nem felicidade, é Deus quem ganha.

Espere um pouco, eu ouvi direito? Como assim? O que Deus ganharia com isso? Qual o lucro obtido por obrigar um grupo de pessoas a reunirem-se na “casa de Deus” (nessa hora, é claro, Deus não é onipresente) para ficarem repetindo versos e ritos ao léu? Deus é onipotente, onisciente, magnânimo, e nós, pessoas insignificantes, tentando agradá-lo como se ele precisasse disso! Antes ganhássemos algo com isso, exceto, talvez, a doentia sensação de que Deus está do nosso lado e vai nos ajudar na nossa vida simplesmente porque nós decidimos beijar-lhe os pés. Não porque fizemos algo de bom e ajudamos ao próximo, não porque vestimos um pobre coitado passando frio nem porque demos um copo d'água gratuito e voluntário a uma criança para fazê-la feliz, mas simplesmente porque dissemos a Deus que o amamos (de um amor interesseiro), que ele é o senhor do universo (o que já é sabido por ele, por que a gente precisaria lembrá-lo disso?) e que nós somos capazes de “dedicar” uma hora inteirinha a ele (e eu, se fosse Deus, diria “e eu com isso?”).

Bem, se a missa não traz nada aos fiéis ou a Deus, quem lucra com ela? Só sobrou um “indivíduo” (por falta de um termo mais preciso) nesta história: a Igreja. Primeiro, o óbvio: o dinheiro, pois quem não vai à missa também provavelmente não paga o dízimo. Segundo, fermenta-se a dependência. Esse é o motivo da repetição hipnótica de textos misturados com a música, isso ajuda as pessoas a absorverem a doutrina num ambiente de desprezo à razão e ao questionamento (que é convenientemente categorizada como “falta de fé”). A própria culpa é benéfica para a Igreja, tanto pela falta de atenção quanto por não poder comungar por causa dos “pecados mortais”, ou ainda por ter vergonha de admitir estar em estado de pecado mortal e comungar mesmo assim. A Igreja se pronuncia como se estas atitudes fossem maléficas, mas o resultado disso é a manutenção da dependência, o que é bom para a Igreja.

A Igreja é uma empresa: a única coisa que importa para ela é vender o seu produto. Para isso, quanto mais as pessoas acreditarem que elas precisam adquirir este produto, melhor é o resultado, maior a quantidade de vendas. E que modo melhor de vender um produto senão convencendo que as pessoas são obrigadas a comprá-lo ou receberão um castigo? E que tal forçarem as pessoas a ver uma hora de propaganda comercial toda semana, com o bônus de uma super-propaganda extra em ocasiões festivas? Convença-as de que assistir a propaganda é benéfico para elas, ou que é maléfico que elas não o façam, depois mostre-as os poderes milagrosos que elas adquirem com o produto. O seu produto nem sequer precisa ser bom.

A propaganda negativa é uma estratégia eficiente e conhecida. Convença as pessoas que elas são feias e elas comprarão os seus produtos de beleza, convença-as que elas são tristes e que o seu produto as tornará felizes, e elas o comprarão. Ou então convença-as que elas são pecadoras, desmerecedoras e que Deus está infeliz com elas, e então elas irão à sua igreja. Você não precisa tornar estas pessoas em pessoas mais bonitas, mais felizes ou mais merecedoras do plano divino, basta que elas tenham a ilusão disso.

Claramente o que foi apresentado não se resume ao catolicismo e nem ao cristianismo. Entenda-se: a minha crítica não é com as pessoas que costumam frequentar a igreja ou sentem-se confortáveis ao participar dela, a minha crítica é com a insistência em acreditar que as igrejas estão sendo abandonadas pelos fiéis por culpa destes e não da celebração litúrgica em si.

Agora, se você quer que a sua igreja realmente torne as pessoas melhores, mais preparadas para a vida e para o mundo, torne a sua missa num tempo de reflexão e discussão, não apenas a respeito do seu livro, mas de várias fontes. Apresente formas diferentes de pensar, coloque questões à mesa, dê voz às pessoas, ensine a história por trás das estórias, mostre a bondade dos santos da sua e das outras igrejas, e não os milagres que eles supostamente fazem ao que pedem. Aceite a oposição, não, melhor ainda, fique grato pela mera presença da oposição ao invés de ficar escandalizado ou desconfortável pela maneira com que ela se veste ou com a sua forma de pensar. Desta forma, você não precisará nem sequer convencer as pessoas que elas precisam ir à sua igreja, porque as pessoas interessadas em aprender e discutir iriam por elas mesmas, os encontros semanais seriam frutíferos em vez de massantes. Neste caso, até eu poderia me interessar. Mas, enquanto a missa for um lugar de opressão à liberdade de pensamento, ao raciocínio lógico e ao conhecimento...

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