sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Religiosidade versus moralidade


 Em um cartaz de propaganda da ATEA lê-se “Religião não define caráter”. Esta associação é muito simplória e não explica o que se vê na prática. Por exemplo, por que países mais seculares são aparentemente mais justos e igualitários? Bem, estariam então a moral e a religião relacionados de forma inversa? Não, não estão, este é um exemplo da frase tão repetida: correlação não implica em causalidade. Mas, se existe correlação, existe uma causa.

O cristianismo caracteriza as pessoas como as culpadas pelo que elas fazem, dizendo que elas são pecadoras, limitadas e más por natureza, então não é culpa das ideias do cristianismo que seus membros demonstrem intolerância coletiva claramente motivada pelas suas crenças. É claro que isso não é nada consistente com a forma com que o cristianismo costuma roubar o crédito pela bondade dos seus membros e estes muitas vezes até se tornam meros veículos de propaganda. Uma excelente estratégia para a criação de dependência.

Mas não é este o ponto deste texto.

Eu conheço pessoas de diversas crenças e, entre elas, os cristãos são comumente os mais intolerantes – e, na maior parte das vezes, sem se darem conta. Isso, é claro, com algumas exceções, mas se, por um lado, os cristãos que sabem amar o próximo costumam ser casos isolados, difíceis de se encontrar, percebo que este não é bem o caso em outros grupos religiosos. E também há grupos de cristãos em que a tolerância é a regra, não a exceção.

Em princípio, isso não parece fazer sentido algum até notar-se uma característica em comum entre os intolerantes que os mais tolerantes não possuem: uma forte crença na existência e na importância do inferno. Nunca vi uma pessoa que tenha seja boa por acreditar no inferno, mas toda semana vejo pessoas que são más por causa desta mesma crença. Isto contraria fortemente a noção corrente que o medo da condenação seja capaz de convencer alguém a fazer o que é certo.

Existem os cristãos que acreditam fortemente no inferno e que quem não acredita na forma particular de cristianismo deles vai parar lá sem sombra de dúvida. Eles costumam dar uma grande importância e ênfase na existência do inferno. Esses indivíduos são os piores, terríveis, eles não se preocupam nem um pouco em "não julgar" - porque, para eles, os que não acreditam no mesmo que eles são pessoas más, horríveis. Aliás, eles costumam perguntar a religião de todo mundo para poder saber em quem confiar. É uma paranoia. O fato é que a paranoia de que “o mundo é do demônio” é tão grande que eles tem medo de todo mundo que não pertence ao mesmo grupo que eles, e é por isso que eles são intolerantes.

Não é maldade, é medo! Afinal de contas, se Deus, que é o justo juiz, condena determinada pessoa a uma tortura eterna, então esta pessoa deve ser extremamente perigosa, não é mesmo? E um animal manso quando está acuado vira uma fera! E veja só: o ser humano é naturalmente um animal manso!

Os homofóbicos que jogam lâmpadas em um pai que abraça um filho com certeza pertencem a este grupo.

Depois tem os cristãos que dizem os que não acreditam em Deus vão para o inferno, mas que uma pessoa de outra religião cristã ainda pode ser salva. Esses cristãos no dia a dia são aparentemente comuns, tratam a todos os outros cristãos de forma respeitosa, mas eles têm um troço quando veem um ateu e ou às vezes quando veem um espírita, budista ou umbandista. Aliás, estes, quando veem o ateu sem saber que ele é ateu, também o tratam com respeito e jamais se dão conta que o indivíduo é descrente. E quando veem uma pessoa religiosa que é má, dizem que no fundo essa pessoa é ateia, porque eles não conseguem imaginar um cristão fortemente religioso sendo mau.

Num nível mais acima têm os cristãos que acreditam que qualquer pessoa possa ser salva, mas que os cristãos, por padrão, têm uma chance maior. Estes até sabem "não julgar", mas frequentemente desvalorizam os não-cristãos e dá para perceber que aqueles sentem pena destes. Agora, se você é um ateu e alguém lhe trata de igual para igual, pode ter a certeza de que este não acredita no inferno, ou talvez, se acredita, acredita por mera "obrigação" e evita o assunto o máximo possível.

O mais engraçado é que, pelo que me consta, os judeus, os budistas e os espíritas mais religiosos são frequentemente os mais tolerantes. E veja: na doutrina deles não existe inferno! Com os cristãos e com os islâmicos costuma ser o oposto: os mais religiosos são os mais intolerantes!

Uma observação: a concepção do inferno judeu é que ele é um lugar de arrependimento, não de sofrimento, e que os indivíduos que vão para o inferno podem se arrepender e entrar no céu. Aliás, de acordo com a crença deles, todos vão para lá por padrão.

Para título de exemplo: os espíritas mais religiosos acreditam que devem deixar os filhos seguirem a religião que eles bem entendem, e muitas vezes eles conversam sobre religião com membros de outras religiões como se estes fossem da religião deles mesmos, o que mostra que eles não são paranoicos com pessoas de crenças alheias. Os que são fortemente judeus valorizam as diferentes religiões e muitos deles condenam a ideia de escolas religiosas (mesmo que sejam judaicas) porque eles acreditam que as crianças devem ter contato com as outras crenças. Isso tudo é um pouco difícil de se encontrar entre os cristãos.

É claro que há casos e casos, mas a relação entre a crença no inferno e a intolerância é evidente. A maioria dos ateus acredita que religião faz com que as pessoas sejam más, isso é um grande equívoco. O que faz com que as pessoas sejam más é o medo e inferno é obviamente uma eficiente fonte de medo. Acontece que a maioria dos religiosos acreditam no inferno, e esta crença é que é a grande vilã. Não é a religiosidade ou a crença em algum tipo de divindade que não tem nada a ver com o assunto.

2 comentários:

  1. Ótimo texto! Sou um crente fervoroso, no sentido em que minha fé em Deus é muito intensa. Mas quanto a religião sou muito flexível. Sou praticante da Seicho-No-Ie, membro da Igreja Messiânica Mundial e batizado na Igreja Católica. Como vc deve imaginar, não sou praticante do catolicismo pois devido a este meu aspecto ecumênico não sou bem vindo lá (para muitas pessoas). Eu participava de um grupo de Oração da Renovação Caristmática Católica, até ser intimado a escolher: "Você está conosco no barco ou no barranco? Não pode ficar nos dois!" Que Deus os ilumine no barco deles, que sejam muito felizes, tenho muita gratidão a eles pois aprendi muito lá. Mas não partilho da intolerância e extrema inflexibilidade praticadas por lá. Concordo que a teologia do medo, baseada principalmente no conceito de inferno não contribui muito para que as pessoas tenham uma conduta de amor ao próximo e tolerância. Conheço alguns membros da Renovação que são tolerantes, mas infelizmente, são poucos. Concordo plenamente com a idéia de que religião não define caráter, pois já conheci FDP de diversas religões e tb conheci ateus muito dignos, honestos, generosos e bondosos.

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  2. Fico feliz que você tenha gostado, ainda mais por ser um "crente fervoroso" :)

    Acho muito legal quando um cristão decide deixar de lado esse tradicionalismo e considerar uma ideia diferente, tentando diminuir a distância que você tem das outras pessoas ao invés de cavar um abismo.

    Você já ouviu falar do pastor Rob Bell? Dê uma olhada no vídeo onde ele fala do livro dele "Love Wins":

    http://www.youtube.com/watch?v=ODUvw2McL8g

    Muitos cristãos atacam ele pessoalmente por causa das ideias dele, eu acho isso muito triste.

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