domingo, 2 de outubro de 2011

Ceticismo não é descrença


Diz o descrente: “Não acredito em nada do que dizem por aí. Sou um cético, portanto.” No conceito popular, ceticismo significa duvidar de tudo e é, por consequência, caracterizado como a negação completa de qualquer afirmação feita sem que seja comprovada de forma absoluta. Entretanto, se alguém coloca tanta certeza na descrença, não pode ser chamado de cético. Afinal de contas, ceticismo é duvidar de qualquer coisa, inclusiva da própria dúvida.

Deve ser um grande empecilho nunca ter convicções acerca do que se acredita, não é mesmo? Sim, e isto seria um problema para os céticos se dúvida impedisse por completo a existência da convicção. Em vez disso, ceticismo não é duvidar por duvidar, mas sim a capacidade de duvidar ou de dar consideração a qualquer hipótese que se mostre digna da dúvida. E isto, é claro, é o oposto de descrença total. Mas como pode ceticismo ser, ao mesmo tempo, o oposto de descrença total e de credulidade? Acontece que descrença e credulidade não são opostos, mas estão relacionados, pois o crédulo nada mais faz do que desacreditar de forma absoluta e irredutível em qualquer coisa que vá contra o conjunto de dogmas invioláveis por ele instituídos.

Enquanto muitos caracterizam o cético como aquele cientista vilão da tela do cinema que é incapaz de demonstrar qualquer característica humana como esperança ou compaixão, sendo meramente guiado pela “razão”, outros, por incrível que pareça, gostam de pintar o cético como um tolo facilmente manipulável.

Pensa o crédulo em seu coração, “Este indivíduo afirma que é capaz de levar em consideração qualquer ponto de vista que lhe seja apresentado, então vou apresentá-lo o meu. Pedirei a ele que faça cambalhotas, meditações, rezas e rituais dizendo que, se ele assim fizer, ele me entenderá e verá que eu estou certo. Se ele disser que eu estou errado, acusá-lo-ei de não ser um cético de verdade. Se ele recusar-se a fazer o que eu peço, acusá-lo-ei de não seguir seu próprio princípio de vida. Se ele fizer o que eu pedi e não ver o que eu acredito que ele verá, direi que ele não fez direito, ou que não fez por tempo o suficiente. E assim, não ficarei satisfeito até ele dizer que eu estou absolutamente certo.”

E assim, o sentido da palavra ceticismo fica tão completamente descaracterizado que espera-se que o cético faça exatamente o que um crédulo faria! Afinal de contas, não é o crédulo que se permitiria acreditar em um palavreado qualquer? Não é o ingênuo que faz qualquer coisa que lhe peçam? Não é o tolo que continua a realizar as vontades de outros até que estes consigam realmente convencê-lo da visão de mundo destes?

Mas isso é o oposto de ceticismo!

Um cético que seja racional e maduro o bastante não cai num jogo de palavras, mas esperara que o proponente da nova forma de pensar mostre que esta é realmente digna de investigação. Um crédulo que se mostra irresoluto frente a sua própria opinião não merece uma confiança irrestrita de qualquer pessoa, e o cético não tem obrigação nenhuma de abandonar a sua própria convicção para correr atrás de um arco-íris. Pelo contrário, o verdadeiro cético não coloca sua própria liberdade em algo que não se mostra mais do que uma utopia, ainda que investigue com curiosidade as características desta utopia, tal qual um historiador que demonstra uma curiosidade incomum por mitologia grega.

Se há dois pontos de vista para uma mesma questão, então há dois pontos a serem ouvidos. Seria injusto se um juiz decidisse ouvir apenas a procuradoria, ainda que o promotor apresentasse ao juiz montanhas de provas, argumentos e testemunhas de forma que fique impossível imaginar uma situação na qual o réu seja inocente ou que ele mereça menos que uma pena de morte. Da mesma forma, um verdadeiro cético não deve formar sua opinião final ao ouvir um lado da história, ainda que este seja o próprio Deus, sem antes ouvir o que seu oponente tem a dizer, ainda que este seja o diabo!

Não acredite em nada, não importa onde você o leu ou quem o disse, nem mesmo se eu o disse, a menos que isso concorde com sua própria razão e seu próprio bom senso.

 
Se fé significa não ter medo da verdade, ter confiança e maduridade o bastante para se comportar como um adulto em discussões que podem afetar as suas crenças sem ter que, por causa isso, tratar o ponto de vista alheio como uma ameaça ou uma ofensa, então o cético não é aquele que não tem fé. Muito pelo contrário: cético é aquele que de fato tem fé.
 

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