Diz o descrente: “Não acredito em nada do que dizem por aí. Sou
um cético, portanto.” No conceito popular, ceticismo significa
duvidar de tudo e é, por consequência, caracterizado como a negação
completa de qualquer afirmação feita sem que seja comprovada de
forma absoluta. Entretanto, se alguém coloca tanta certeza na
descrença, não pode ser chamado de cético. Afinal de contas,
ceticismo é duvidar de qualquer coisa, inclusiva da própria dúvida.
Enquanto muitos caracterizam o cético como aquele cientista vilão
da tela do cinema que é incapaz de demonstrar qualquer
característica humana como esperança ou compaixão, sendo meramente
guiado pela “razão”, outros, por incrível que pareça, gostam
de pintar o cético como um tolo facilmente manipulável.
Pensa o crédulo em seu coração, “Este indivíduo afirma que é
capaz de levar em consideração qualquer ponto de vista que lhe seja
apresentado, então vou apresentá-lo o meu. Pedirei a ele que faça
cambalhotas, meditações, rezas e rituais dizendo que, se ele assim
fizer, ele me entenderá e verá que eu estou certo. Se ele disser
que eu estou errado, acusá-lo-ei de não ser um cético de verdade.
Se ele recusar-se a fazer o que eu peço, acusá-lo-ei de não seguir
seu próprio princípio de vida. Se ele fizer o que eu pedi e não
ver o que eu acredito que ele verá, direi que ele não fez direito,
ou que não fez por tempo o suficiente. E assim, não ficarei
satisfeito até ele dizer que eu estou absolutamente certo.”
E assim, o sentido da palavra ceticismo fica tão completamente
descaracterizado que espera-se que o cético faça exatamente o que
um crédulo faria! Afinal de contas, não é o crédulo que se
permitiria acreditar em um palavreado qualquer? Não é o ingênuo
que faz qualquer coisa que lhe peçam? Não é o tolo que continua a
realizar as vontades de outros até que estes consigam realmente
convencê-lo da visão de mundo destes?
Mas isso é o oposto de ceticismo!
Um cético que seja racional e maduro o bastante não cai num jogo de
palavras, mas esperara que o proponente da nova forma de pensar
mostre que esta é realmente digna de investigação. Um crédulo que
se mostra irresoluto frente a sua própria opinião não merece uma
confiança irrestrita de qualquer pessoa, e o cético não tem
obrigação nenhuma de abandonar a sua própria convicção para
correr atrás de um arco-íris. Pelo contrário, o verdadeiro cético
não coloca sua própria liberdade em algo que não se mostra mais do
que uma utopia, ainda que investigue com curiosidade as
características desta utopia, tal qual um historiador que demonstra
uma curiosidade incomum por mitologia grega.
Se
há dois pontos de vista para uma mesma questão, então há dois
pontos a serem ouvidos. Seria injusto se um juiz decidisse ouvir
apenas a procuradoria, ainda que o promotor apresentasse ao juiz
montanhas de provas, argumentos e testemunhas de forma que fique
impossível imaginar uma situação na qual o réu seja inocente ou
que ele mereça menos que uma pena de morte. Da mesma forma, um
verdadeiro cético não deve formar sua opinião final ao ouvir um
lado da história, ainda que este seja o próprio Deus, sem antes
ouvir o que seu oponente tem a dizer, ainda que este seja o diabo!
Não acredite em nada, não importa onde você o leu ou quem o disse, nem mesmo se eu o disse, a menos que isso concorde com sua própria razão e seu próprio bom senso.
Se fé significa não
ter medo
da verdade, ter confiança e
maduridade o bastante para se comportar como um adulto em discussões
que podem afetar as suas crenças sem ter que, por causa isso, tratar
o ponto de vista alheio como uma ameaça ou uma ofensa, então o
cético não é aquele que não tem fé. Muito pelo contrário:
cético é aquele que de fato tem fé.
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