terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"Deus seja louvado": por trás da polêmica

Foi negado o pedido do Ministério Público Federal de São Paulo de que fosse retirada a frase "Deus seja louvado" das cédulas de real. Muitos acompanharam todo o processo, os compartilhamentos de imagens e links pelo Facebook e, diante de tanto rebuliço, comentaram "Mas é só uma frase!" Sim, por um lado, é só uma frase. Mas, por outro lado, se fosse apenas uma frase, não causaria tanta polêmica, e, portanto, há algo além disso nessa história toda - não dá pra compreendê-la fora do seu devido contexto. O que pretendem os defensores da retirada desta frase?

Aliás... quem são tais defensores?

Os defensores são, em especial, os setores da sociedade que se sentem marginalizados pelo cristianismo. A grande responsável é a recente expansão do ateísmo, não de um ateísmo qualquer, mas de um ateísmo que não quer viver dentro do armário em uma sociedade que repudia sua própria existência.

Em vista da perseguição ideológica aos ateus, - que é bastante forte inclusive no Brasil e pode ser vista de forma icônica no discurso de ódio do Datena, - estes aglutinaram-se pela Internet, em especial ao redor de piadas e argumentações que colocam em xeque as crenças religiosa. Eles passaram a ter consciência da intolerância religiosa existente na sociedade. Como consequência, surgiu a preocupação de que cristianismo deixe de ser a "religião padrão". Daí é que surge a ideia de retirar a palavra "Deus" dos papéis-moeda.

Nem a existência, nem a inexistência da frase "Deus seja louvado" nas cédulas são de grande relevância. A retirada, entretanto, teria um caráter simbólico: tirar o cristianismo de sua posição privilegiada.


Divergências

Entretanto, não concordo com esta reivindicação, muito menos com a forma que está sendo feita a disputa política para sua adoção. Apresenta-se laicismo como um fim (a separação completa entre Igreja e Estado), como um princípio que é válido por si só, não como um meio para atingir um fim, a saber: a liberdade e o respeito à diversidade religiosa. Em outras palavras, dizer simplesmente que o dinheiro é público e que, portanto, não deve fazer referência a nenhuma religião não é argumento válido, tampouco dizer que isso fere a constituição.

Independentemente da legalidade, é necessário verificar se esta medida ajuda a atingir o fim desejado: o respeito à diversidade religiosa. Para isso, se não existe respeito às minorias religiosas, é preciso perguntar: qual a origem deste problema? Seria por acaso uma frase nas cédulas? Crucifixos nos tribunais? Nomes cristãos por todos os lados? Ou seriam todos estes meros sintomas do fato que o cristianismo é visto pelos cristãos como a "religião padrão" de tal forma a tornar invisíveis as outras religiões?

Entretanto, o debate sobre "manter ou retirar a frase" reduz toda a questão a "cristianismo" versus "ausência de cristianismo" - uma falsa dicotomia. Oras, existe, por acaso, maneira mais eficiente de reforçar a ideia que o cristianismo é, de fato, a religião padrão, fazendo com que ela seja a única a se inserir nos debates sobre laicismo? Pretender que o cristianismo deixe de ser o centro das atenções tornando-o mais ainda o centro das atenções?

Qual a visibilidade que esta polêmica dá ao Candomblé, à Umbanda, às religiões indígenas? Ao espiritismo, ao budismo, ao hinduísmo, ao islamismo e ao judaísmo? Parece mesmo que a questão não se trata de diversidade religiosa ou respeito às religiões, mas ausência completa das religiões na esfera pública ou estatal!

Oras, parece-me muito mais adequado fazer a disputa política para que todas as religiões tenham a possibilidade de serem representadas no papel moeda. Isso é bem simples, na verdade: as cédulas poderiam conter, por exemplo, "Viva a diversidade religiosa do Brasil!" Esta, a meu ver, seria uma medida muito mais democrática. É bem mais simples explicar para um cristão que as outras religiões também fazem parte do país e que é dever do Estado representá-las devidamente do que dizer que ele está proibido de manifestar publicamente a sua religião. É muito mais dialogável defender que outras religiões também tiveram papel importante na História do que defender que o cristianismo não teve papel nenhum.

Além, é claro, de ser mais justo.

É preciso, aliás, ir muito além disso. É necessário promover iniciativas de incentivo à manifestação cultural e religiosa popular, em especial das religiões marginais da sociedade. Deve haver ensino religioso nas escolas públicas, mas que não se restrinja ao cristianismo, e sim que torne visível a pluralidade religiosa, não só de hoje, mas também do passado, com o apoio e presença dos grupos religiosos locais.


Sobre laicismo de Estado
Atento, porém, que meu posicionamento [sobre laicismo de Estado] difere da mera divisão entre Estado e Igreja, como se a mesma fosse identificada como Público e Privado, incapacitando o exercício político dos atores religiosos. Não distinguo o homem religioso do homem político. Trata-se de uma falsa polarização que visa apenas a sectarização do cenário político. As convicções morais e ideológicas são as mesmas: ninguém pode defender uma causa no parlamento ou no partido, e não defendê-la da mesma maneira no templo ou na paróquia. E vice-versa.

Eu, portanto, considero que a liberdade religiosa se atinge, não a partir da criação de um muro entre religião e Estado, pelo contrário: são necessárias pontes. É necessário que as diversas religiões e não-religiões tenham a possibilidade de se inserir na sociedade, a tornarem-se visíveis. É preciso garantir que elas permaneçam em diálogo entre si, para que sejam respeitados os interesses comuns acima dos particulares.

As instituições religiosas, estas, sim, devem permanecer longe do Estado, assim como também devem permanecer as empresas e os bancos. Isso porque estas entidades têm excessivo poder político, de forma que a presença delas na política impossibilita a democracia. Entretanto, proibir a participação da religião no Estado significa, na prática, impedir que as pessoas tenham sua opinião democraticamente representada e, portanto, também impossibilita a democracia!

Em outras palavras o Estado deve conter e representar todas as religiões, mas nenhuma Igreja!

[Defendo] a autonomia dos cristãos evangélicos para defender suas escolhas eleitorais. Todo debate no interior da igreja deve ser bem-vindo, o que caminha justamente no contrário das atuais práticas políticas de orientação de voto feita por pastores, bispos e apóstolos em diversas denominações evangélicas do nosso país. O "voto de cajado", [...] típico voto de cabresto no interior das igrejas, difundiu-se como praga, e seu funcionamento se tornou ainda mais complexo e estruturado na medida em que denominações como a Igreja Universal do Reino de Deus passaram a aplicá-la, influenciando a reorganização de práticas políticas em todo campo religioso e político brasileiro.


E assim, as lideranças religiosas abusam da fé do povo para obter poder político. Pelo voto de cajado e pelo poder econômico, as grandes Igrejas garantem a sua capacidade de intervenção política sobre o Estado, praticamente privando seus fiéis de uma opinião política própria, independente. O Estado deve, portanto, garantir a estes fiéis a efetiva participação a que eles têm direito na política.

Para combater essa dura realidade, é preciso lutar para que os religiosos tenham uma espaço para desenvolver uma opinião política própria, ainda que equivocada. Eles devem ter contado com as outras religiões, para compreender a necessidade de um mínimo acordo com respeito ao que é público, comum a todos. Este é o único caminho que torna possível que haja, de fato, respeito à diversidade religiosa no país e para minar a influência do conservadorismo religioso na política.

25 comentários:

  1. Compreendi, mas iria ficar estranho contemplar a principal divindade de todas as religiões em uma cédula, e isso com certeza iria desagradar aos cristãos, o que por sua vez, espelha o mesmo constragimento de quem não é cristão ao ver o nome de deus escrito naquilo que é público. O dinheiro não é só dos cristãos, mas só eles foram contemplados. Ou não?

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    1. Eu propus que fosse escrita uma frase simples: "Viva a diversidade religiosa do Brasil!"

      Essa frase contempla todas as religiões sem precisar especificar nenhum nome. Contempla até mesmo a ausência de religiões, já que não ter religião se classifica também como diversidade religiosa.

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    2. Acho que aí perderia o propósito. O propósito parece ser agradecer a uma divindade, no caso, a divindade cristã.

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    3. Acho que não perde o propósito, só ganha um propósito diferente.

      Uma outra possibilidade que eu pensei seria reivindicar que cada nota contivesse uma frase que fizesse referência a alguma divindade ou religião diferente.

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    4. Fazer cada nota contemplar uma religião/divindade diferente (e mais uma nota dizendo: nenhum deus existe) é praticamente impossível.
      Você tem ideia de quantas religiões/divindades diferentes existem?
      Mesmo que você faça 100 frases diferentes, alguém ainda vai ficar de fora.
      E, qual o propósito de citar religião nas cédulas?
      Por que então não fazer notas comemorando a diversidade sexual?
      a diversidade de times de futebol?
      a diversidade de esportes?
      a diversidade de bichinhos de estimação?
      a diversidade de partidos políticos (ao menos faria mais sentido que religião)

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    5. Thiago, caso você não tenha entendido, a questão de trocar a frase atual das cédulas por uma que exalte a diversidade religiosa em vez de simplesmente retirá-la é política, não tem nada a ver com legislação e muito menos com alguma razão ou regra objetiva e absoluta. Ou seja, tem a ver com a capacidade de convencimento (daria para obter apoio de grupos religiosos, inclusive de uma parte dos cristãos) e também de alcançar o objetivo desejado (que é combater a ideologia social que o cristianismo está num patamar superior ou privilegiado às outras religiões).

      O ponto central do texto, aliás, é exatamente esse: deve-se considerar o contexto, a realidade, e não simplesmente aplicar a legislação ao pé da letra sem nem sequer questionar se é essa é realmente a melhor maneira de prosseguir.

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    6. Entendi a proposta de diversidade religiosa, tudo bem...mas visto que os ateus reivindicaram essa mudança monoteista,e sua proposta politeista visa uma equivalência de deuses na frase,onde entra o interresse "ATEU", oriundo do grego "ATHEOS" que nada mais significa do que "sem Deus" nessa questao? O ateismo nao é a isenção total e radical de qualquer crença?O QUE TEM A VER O CU COM A CALÇA?
      Que merda esse conceito de descrente de vocês! Se nao tem fé em uma divindade, quaisquer seja, porque discutem tanto com credulos religiosos q tem a inteligencia tao menosprezada por Vcs? Eu tenho consciencia religiosa, cientifica e espiritual, desenvolvi isso muito tarde, mas se tem uma coisa q aprendi com a credulidade, é que vigiar a SI proprio é mais engrandecedor que qualquer protesto de facebook.
      Pra mim se estivesse escrito "bosta rala" nessas cedulas nao faria diferença alguma....o dinheiro nao envaidece e homenageia meu Deus em nada,mas minha fé sim.
      Uma dica? Pratique seu ateismo radical enquanto capina um lote.
      Duda.

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  2. Argumentos de hipócrita praticado por ateu, Deus em inglês e God em francês Dieu em .... cada país tem um nome diferente por causa do idioma. Se você não gosta seja homem e assuma que não gosta de ver Deus nas cédulas porque não acredita nele e não fique dando desculpazinhas esfarrapadas de que esta contra lei, em nome do laico só pra prevalecer o ceticismo ateu, todos as religiões estão sendo respeitada através do nosso idioma! Se você for nos USA você vai ter que dizer bread em vez de pão, se não ele vai achar que você esta desrespeitando ele, entendeu?

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    1. O que nao se pode negar,é que a fé e a crença sao o grande fator organizacional da sociedade desde o inicio dos tempos. A fé gerou respeito, tolerancia e temor muitas das vezes em que a lei dos homens ainda nao vigorava (pelo menos quando nao fingiam q existia justiça humana). A base da sociedade foi basicamente imposta e feita em uma era em que a religião era o topo da pirâmide social,o que n exclui tbm seus contras,mas com toda certeza controla uma boa fraçao da selvageria.
      O homem na nada mais é que um animal consciente, que foi moldado,lapidado e estruturado com o tempo, e a religiao teve grande parecela nisso.
      Duda

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