sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Boa noite, Corujinha...

Há muito tempo não poetizava, mas não pude evitar que sua morte injusta matasse também a mim. Corujinha, ainda que não seja parente nem conhecida, minha homenagem deixo-lhe aqui.
Faz meio ano que ouviu o inconcebível de tua própria mãe. Inconformada  com sua autonomia em escolher sua própria descrença, quis expulsar-lhe de casa. Sabendo que é uma menina, cutucou-lhe na ferida que mais dói, a ferida aberta do machismo. Chamou-a de puta. "Se vais ao diabo, vai com ele à zona! E que cobre apenas a merda que vale!" Sua própria mãe... Posso apenas tentar imaginar sua dor.

Posso tentar, mas fracassarei. Não posso imaginar como sentia o preconceito por ser bipolar, bissexual, ateia e menina. Das minorias, estava em quatro! Quantos de seus próprios companheiros hoje dizem: "Fraca!", pois também não podem imaginar como era vestir a sua pele.

Preocupada não apenas com o fanatismo religioso da qual era vítima, mas também com a falta de bondade nas pessoas, com os problemas do mundo e com a política. Preciso dizer, duvido de muitas das suas ideias, mas não posso duvidar de sua intenção, de sua inocência. Não posso duvidar do seu coração, menina. Nem mesmo aqueles que condenavam seu ateísmo disso são hoje capazes. Dizem que agora você está com Deus. Essa é a linguagem que eles usam para dizer que não a condenam, não poderiam. Se não a respeitavam em vida, ao menos na morte respeitam.

Mas, triste, ainda não lhe respeitam, não respeitam sua memória, sua liberdade. Fizeram questão de invadir seu Facebook, excluindo tudo o que lembrava a todos que era ateia. Links, páginas, retiraram até mesmo sua declaração no seu perfil "Religião: ateia". Querem apagar de você sua personalidade, aquilo que você mesmo construiu. Querem lembrar de você como alguém que você não era, pois para eles é muito doloroso lembrar de você.

Não bastasse, fazem de sua morte uma arma política contra aquilo em que você acreditava! Aproveitam sua morte para dizer a nós, ateus, que cultuamos o mal! Alienígenas, adoradores do diabo, ah, se somos! Levamos a pobre Corujinha à perdição! Dizem aos pais que vigiem seus filhos, para que não se percam como você. Nem mesmo agora conseguem ver a trave no próprio olho!

Você era ateia, dizem eles, e era boa. Mas, claro, era a exceção, só podia ser! Seu ateísmo era apenas uma fase, adolescência, revolta, influência dos maus amigos. Estava apenas buscando a Deus, mas não conseguia achá-lo, então se zangava. Quantos de nós não ouvimos a mesma coisa? É evidente, existe um manual: "O que dizer para um querido quando descobrir que ele é ateu". É com certeza um best-seller mundial. Pois nós, de todos os lugares, ouvimos as mesmas frases.

Nem sequer lhes ocorre que talvez, só talvez, não encontramos a Deus porque ele não está em lugar algum! Nem conseguem imaginar que talvez Deus não se deixe encontrar porque esta talvez seja sua própria vontade. Homens vãos, medrosos do desconhecido, por que razão Deus, existindo, detestaria os ateus como vós? Por que ele teria o ateísmo como inimigo ou perverso?

Não tem nada a temer, minha jovem, pois até mesmo Deus lhe daria razão!

Descanse, por fim, deste mundo tão cheio de intolerância e reações inflamadas ao que tem medo. Se apenas ele percebesse que você tinha muito mais razão para temê-lo do que ele a você! Mas, feito um menino assustado, chutou, pisou, esmagou-lhe. E você, pobrezinha, não aguentou o sofrimento, não poderia, minha flor.

A você, minha querida Corujinha, dou-lhe um beijo de adeus e de boa noite. Durma em paz, mas, por fim, peço-lhe que não sonhe. Deixe seus sonhos aqui.



http://www.paulopes.com.br/2013/01/suicidio-de-militante-ateista-repercute-no-facebook.html

http://www.facebook.com/robertabaetahomenagem

Um comentário:

  1. Pobre menina :( eu me vejo muito nas atitudes dela quando tinha 16 anos. Me declarei ateia, tinha complexo de inferioridade, vontade de ser como meu irmão mais velho e mais reconhecido, ostentava minha inteligencia pois achava que se interessariam por mim, e nao me dava o valor que eu realmente tinha. Nao respeitava os meus pais,que sempre ralaram pra caralho pra me dar TUDO enquanto eu ficava o dia inteiro nas redes sociais expondo minha vida e "farsando façanhas" que só me depreciavam,mesmo q eu só perceba isso hoje. Infelizmente eu n sabia usar meu potencial, sempre fui bonita e atraía pessoas de todos os jeitos e idades,mas sempre optava pelos q me objetificavam. Expunha meu grande dom musical e instrumental com arrogancia, criei uma mascara... Uma barreirq. Virei inimiga dos meus paisbe brigava com eles ate quando me chamavam pro almoço. Sempre tive tudo de material e nunca me esforçava pra aquilo... E o pior,tratava com indiferença minha mae q era uma coitada e sempre insistiu em mim, me tendo como tudo de mais importante. Vivia em condiçoes perfeitas,mas mesmo assim achava q tudo era ruim, tentei me matar, fugir, me abortar.... Adolescencia--' mais tarde,pouco mais, medrei e adotei uma armadura agnostica... Uma ateia receosa... Uma criança querendo atenção, sofri tanta coisa q nao existia. Eu era um cancro . Quando enfim tomei consciencia teologica, eu me abri pra muita coisa e me fechei pra tudo aquilo q me tornava putrefada por dentro :necessidade de atençao. Conheci pessoas incriveis q conviviam comigo a 19anos...larguei mao de ser idiota. Eu tenho tudo q eu preciso, tenho controle da minha vida, tenho estudado muito minha crença. Tive tantas provas, tantas experiencias... De verdade. Hj eu n preciso fingir. Tenho personalidade, indentidade. E tudo PASSOU. Sim, eu sinto mesmo por essa menina, eu entendo ela. se ela tivesse pelo menos esperado, pelo menos confiado nela mesma. A culpa não foi de ninguém, nem dela, tadinha... Crescer é muito difícil :(. Eu ja estive no lugar dela,e acordei a tempo antes de fazer a maior ironia da vida:renega-la.
    Hoje eu completo 21, por coincidência, imensuravelmente agradecida por estar aqui,por ter saúde, por estar tentando rebater os problemas com coragem, e por ter um Deus, um senhor...um refugio, uma crença. Mesmo q o meu senhor nao seja tao caricato quanto ao dos cristaos antiquados, meu aprofundamento e percepção também aprendeu a respeitar desde o mamando ao caducando. Fica aqui meu respeito e pesar por essa vida que acabou por ansiedade de crescimento... Sò vale a pena a opçao de aceitar morrer por sua própria verdade, não pra provar alguma coisa pra alguem.
    Descanse em paz, menina.
    Exista em paz.
    D.

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