terça-feira, 22 de março de 2011

Futebol e religião

Os torcedores andam com uniformes, chaveiros e canecas do time amado, exibindo fanatismo cego. Cego frente a todos os erros que os jogadores cometem, nunca o desacreditar que o seu time é o melhor. Os jogadores e técnicos dos outros times são demônios, mas, se de repente o seu time contrata algum deles, este, na hora, vira um santo. Não se questiona as intenções deste jogador, ninguém o critica por ter abandonado seu antigo time. Nem a falta de julgamento, se houve alguma, nem a quantidade de faltas que ele comete ou a brutalidade com que ele joga. Ele é aceito no time desde que jogue por ele. Perfeito, inigualável, invencível, este é o time para o torcedor. Não importa quantos defeitos ele tenha, ou quais jogos ele perdeu. A taça conquistada vale mais que as mil taças perdidas. Isso contradiz, mas não para o fanático, a qualidade de invencibilidade. Não é socialmente permitido para o torcedor de um time sentar-se ao lado da torcida do outro time. É um pecado admitir qualidades no adversário, comemorar os gols feitos, os belos lances, os dribles dos craques. Mudar de time então? Bandeirinha! Não, não pode mudar de time.

Engraçado é pensar que todos os times são compostos por jogadores de outros times.

Lendo o texto acima, eu me pergunto se estou falando de futebol ou de religião. E você, caro leitor, caso seja religioso, ao ler este parágrafo, provavelmente leva um susto e entra na defensiva, sentindo a necessidade de argumentar, por exemplo, que torcer para um time não é de todo ruim se você souber respeitar, é apenas um jogo. De fato, isso, no futebol, não é tão ruim, não vale a pena discutir. Porém, é justo dizer que a escolha da religião é a decisão mais importante que uma pessoa pode fazer, pois, ao contrário do que se costuma acreditar, ela não decide apenas o que você fará nos finais de semana. Crenças, valores, ideias, moral, virtude, humanidade, são infindáveis as características que uma religião define em seus fiéis. A mais perturbadora dessas características, entretanto, é o controle.

Sim, as igrejas controlam a forma de pensar das pessoas, as opiniões que elas terão sobre valores morais, os amigos que elas farão, as decisões que elas tomarão na vida, o voto, o emprego. É preocupante ver como as pessoas entregam de forma tão fácil a própria liberdade de expressão, de escolha e principalmente de raciocínio. Os fiéis, ao se ajoelhar, absorvem a doutrina sem questionar, não se pode questionar o próprio time. É a tão chamada fé.

Tamanha é liberdade que as pessoas abandonam que elas passam a criticar tudo o que se opõe à crença. Não importa se os argumentos utilizados são insatisfatórios ou não têm coesão ou lógica. Qualquer ideia defendida por alguém, por mais que ridícula, é imediatamente aceita desde que suporte a doutrina. Várias dessas ideias são frequentemente contraditórias, e isto é visto pelos outros, de outras religiões, mas não por eles. Se, por outro lado, alguém apresentar uma crítica, por mais clara e verdadeira que seja, esta é atacada sem piedade, e o pior, sem raciocínio lógico. Até mesmo quando uma afirmação contrária têm montes de evidências a favor dela, basta uma pseudoevidência, uma desculpa para derrubá-la e colocá-la no esquecimento. Então o que se vê é um jogo onde todo mundo aponta os absurdos defendidos pelos outros, às vezes mesmo quando estes não são absurdos, mas poucos param para escutar. É por isso que as pessoas não gostam de discutir religião: não há como, não tem acordo. Falar de times de futebol não é um problema quando se leva na brincadeira, mas religião é uma decisão muito mais importante. Ironicamente, não levar sua própria religião a sério é uma decisão muito sábia, assim como não levar futebol a sério: o respeito por torcedores de outros times aumenta e o futebol deixa ser um jogo de vale-tudo.

Sabemos que sua escolha do propósito de sua vida é fundamental, que ela vai determinar cada decisão, cada passo. Entretanto, curiosamente, a importância dada a esta escolha pela maior parte das pessoas é mínima. Frequentemente, a crença, os costumes e os valores morais de cada pessoa são simplesmente aqueles herdados pelos pais. Muitas vezes, são os amigos que o carregam numa conversão. Poucos se colocam para pensar, refletir: será que o que eu acredito é realmente verdade? Muitos “encontram” a verdade, mas poucos a procuram e o desgosto pela pesquisa é a fonte do pecado. Como alguém pode afirmar que encontrou a verdade se nem sequer se deu ao trabalho de procurá-la?

Uma maioria gigantesca não conhece valores e boas qualidades de outras religiões, apenas seus defeitos. Osama Bin-Laden, Al-Qaeda, homens-bomba, padres e bispos pedófilos, pastores gananciosos que exigem dinheiro dos fiéis e prometem milagres em troca, macumbeiros e devotos de Iemanjá que jogam lixo na praia são todos muito bem conhecidos. Mas quantos cristãos conhecem Mahatma Gandhi e Sidarta Gautama, o Buda? Quantos conhecem as doutrinas e qualidades de outras crenças? Ou ainda, quantos se dispõem a conversar com os membros de outras doutrinas? Veja, o cristianismo está completamente divido por dentro, não há acordo nem mesmo entre cristãos, quanto mais entre cristãos e não-cristãos. Não falta o orgulho para falar mal dos outros (e o pior, a respeito de coisas que não fazem a menor diferença!), mas falta a humildade para reconhecer os próprios erros, procurar as virtudes dos “inimigos” e imitá-las. Condena-se demais, e repito: condena-se por detalhes completamente irrelevantes, e os mais condenados no meio desta bagunça são a tolerância, o diálogo e o respeito. Nem mesmo os cristãos conhecem Jesus Cristo; caso contrário, deixariam de ser fariseus e de julgar os espíritas, os homossexuais, as mulheres que optam pelo aborto, os perversos.

Isso tudo é só a ponta do iceberg. É por isso que, em matéria de religião, escolhi ser o Bandeirinha, não tenho time. Tenho, sim, respeito pelos times e procuro sempre ser o último a mostrar qualquer tipo de desrespeito, mesmo que, do ponto de vista de onde eu me ponho, o número de faltas é muito grande, há muita selvageria. Mas eu tenho a minha opinião, eu levanto a bandeira para que ela fique à vista das pessoas que querem ver. Mesmo que isso pareça não fazer efeito algum, porque eu tenho esperança de que, pouco a pouco, as coisas podem tomar um rumo diferente. E, enquanto isso, eu ergo a minha bandeira.

Um comentário:

  1. Clarice de Medeiros Devêza14 de junho de 2012 às 09:03

    É incrível a necessidades das pessoas em escolher um grupo, um lado. Acaba que elas agregam uma série de dogmas e valores determinantes desse meio, de maneira ilógica, apenas para se sentir pertencente. Ficar em cima do muro se tornou sinônimo, muitas vezes, de alienação. Alienação com a civilização e seus diversos grupos sociais. Acaba que para ser civilizado é preciso escolher um lado, uma teoria, e aceitar todos os seus acertos e defeitos.

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