Para um caso de maldade ser considerado uma maldade legítima, isto
é, para que a pessoa que a cometeu possa ser acusada de culpa,
o maldoso tem que ter tido intenção, controle dos próprios atos,
conhecimento e consciência da maldade que está cometendo na hora do
ato e não ter como causa alguma incapacitação mental. Sendo assim,
não existe verdadeira maldade.
É óbvio que existe maldade, nem preciso argumentar, basta abrir o
jornal. E onde está a evidência de que não existe maldade
legítima? De novo, basta abrir o jornal e analisar com um pouco mais
de cuidado os casos.
Por exemplo, Datena
falou
mal dos ateus ao vivo sem dó. É fato que o discurso de Datena
foi uma verdadeira maldade, mas, basta ver a sua
aparição
no programa da Hebe para perceber que ele não tem consciência
alguma do mal que fez.
Considere também o famoso caso de Alexandre Nardoni e Anna Carolina
Jatobá. A versão da polícia é que o motivo do crime foi este:
eles bateram na menina, excederam um pouco e ela acabou inconsciente.
Achando que ela estava morta, jogaram ela pela janela para acobertar
o crime. Vamos supor que esta versão é verdadeira. À primeira
vista, parece que eles tinham consciência do que fizeram – afinal,
tentaram acobertar. Mas, quando fizeram isso, eles acreditavam que
ela estava morta, e que ato de maldade há em jogar um corpo por uma
janela? E então alguém com certeza grita: mas eles poderiam ter
levado ela para o hospital, ou terem tentado reanimá-la, que tipo de
pai ou mãe jogaria a filha pela janela? Isso é estupidez!
Exato! Estupidez! Esta é a palavra chave! Estupidez implica em
desconhecimento da maldade, o que, por si só, contraria a definição
de maldade legítima dada no início do texto. Alguém poderia
também argumentar: mas e quanto ao espancamento que a levou à
inconsciência? Foi maldade? Sim, sem dúvida. Mas será que, ao
espancá-la, eles sabiam que iriam deixá-la inconsciente? Será que
eles tinham controle e consciência do que estavam fazendo no
momento do ato? Ou será que foi
uma força excessiva causada por um lapso de raiva?
E quanto aos "riquinhos" que atearam fogo a um índio? Eles deram a
desculpa de achar que se tratava de um mendigo. Não é óbvia a
estupidez? Eles achavam que se tratava de um mendigo e claramente
também pensavam que não havia nada de errado em botar fogo em um
mendigo enquanto vivo!
Criminalidade não está relacionada à estupidez? É claro que está,
basta verificar o nível de escolaridade entre os detentos!
Psicopatia trata-se de um desvio de
personalidade em que o indivíduo é inerentemente incapaz de sentir
compaixão. É uma incapacidade mental. Aliás, a maldade que o
psicopata comete também é maldade feita no escuro – ele não é
capaz de sentir compaixão, nem sequer sabe o que significa a palavra
dor, de que forma
poderia ele ter consciência de que causar dor é errado?
É comum ouvirmos, por exemplo,
viciados em droga afirmarem que sabem que o vício deles é errado, e
isto causa, a princípio, um problema na argumentação deste texto.
Será que basta alguém dizer que sabe
que o que está fazendo é errado para que ele realmente saiba disto?
A resposta é não, pois, oras, crianças dizem que sabem que o que
estão fazendo é errado, mas elas não tem o córtex frontal bem
desenvolvido e, sendo assim, elas são menos capazes que os adultos
de discernir o que é certo ou errado. É por isso que crianças são
frequentemente mal comportadas.
Por outro lado, quando se pergunta
para um usuário de drogas a motivação dele, uma resposta muito
ouvida é que drogas fazem mal, mas compensa usá-las pelo prazer que
elas proporcionam. Oras, se eles acreditam nisso, então é porque
eles não sabem, de fato, que o uso de drogas é errado. Qualquer um
que tenha consciência de que o uso de drogas é errado vai afirmar
que eles estão enganados quando dizem que vale a pena. Sendo assim,
quando eles afirmam que "sabem que é errado", o que eles
sabem é que esta atitude é condenada
pela sociedade, não que eles de fato têm consciência da gravidade
deste ato e, portanto, não têm consciência de que isto é errado.
E quanto aos viciados que tentam
largar as drogas, mas não conseguem? Oras, isso é óbvio, o vício
os impede, o desespero e a abstinência toma controle sobre o corpo,
e o controle dos próprios atos é necessário para se concluir que
um caso de maldade é legítima.
Mas e os que se arrependem? Bem, aí é que está: o arrependimento
vem depois do ato, não durante!
Pode ser pura estupidez ou inocência da minha parte, mas eu não fui
capaz de encontrar nenhum caso de maldade legítima. Conheço vários
tipos de pessoas, de diferentes religiões e com variadas formas de
pensar: homossexuais, usuários de drogas, ladrões, traficantes,
espíritas, cristãos, ateus, agnósticos... Já vi pessoas queridas
cometerem erros e terem que arcar com as consequências ou até mesmo
fugindo destas, mas ainda estou para ver um ato deliberado,
consciente e intencional de maldade. Em outras palavras, o mundo não
é mau, mas apenas estúpido.
Infelizmente, ter boas intenções não impede ninguém de cometer
alguma maldade!
Afirmei que pessoas usam a
fé
e o
medo
como instrumentos para manter os indivíduos da mesma crença sob
controle para que estes não questionem e acabem por abandoná-la,
elas o fazem por medo. Os líderes religiosos também fazem o mesmo
porque estão vendados pela ignorância. É impossível para mim
conceber os conceitos de "justiça" – que nada mais é
uma vingança legalizada. Vejo as vítimas pedirem às autoridades
que seja feita justiça e reclamando quando a punição não é
severa o bastante para os crimes que foram cometidos. Punição?
Então que seja! Que o assassino seja então surrado até que escorra
dele um litro de sangue e que depois seja jogado num canto escuro de
uma prisão e lá abandonado à morte. Torçamos então para que ele
sofra, e muito!
Entretanto, este sofrimento vai se transformar em raiva, ou vai
aumentar ainda mais a raiva que ele já possuía. Será que ele vai
mudar, se arrepender do que fez? Será que, se ele pudesse sair, ele
faria diferente? A resposta é óbvia: não! Bom, então isso
deve ser da natureza perversa dele, a maldade dele não tem solução.
É exatamente esse o motivo pelo qual Deus vai jogá-lo no inferno,
porque ele nunca vai mudar de ideia.
É mesmo? Tem certeza? Como alguém pode esperar que um indivíduo
violento aprenda a paz sofrendo violência? Como ele será capaz de
aprender a calma se tudo o que lhe é mostrado é a raiva? Será que
não é óbvio que o motivo das prisões não recuperarem os
criminosos é justamente pelo velho ditado: violência gera
violência? Não há dizer que seja tão repetido por todos os cantos
e tão ignorado quanto este. Todos falam, todos ouvem, mas ninguém
para para escutar por achar que só se aplica a crianças!
Bem, neste caso, somos todos crianças!
Há várias organizações, na maioria das vezes religiosas, que
lutam para dar trabalhos e tarefas para os encarcerados. E o que
acontece então? A violência diminui. Por que eu não fico nem um
pouco surpreso com isso? Puta que pariu, não é óbvio que o modo de
transformar um marginal num ser humano é tratando ele como um ser
humano ao invés de tratá-lo como um marginal?
Estupradores sentem prazer em prender mulheres e ouvi-las gritarem,
debaterem-se, os piores assassinos gozam da tortura, do sangue: é o
prazer doentio pelo sofrimento alheio. Então a sociedade os condena
à morte, à tortura, torcendo para que eles tenham o mesmo
sofrimento que causaram e rejubilam-se em ver a "justiça"
sendo feita: é o prazer doentio pelo sofrimento alheio, exceto que,
desta vez, é uma doença coletiva.
A mania
pelo controle é um motivo muito comum pelo qual muitos pais
decidem “disciplinar” os seus filhos na base da violência: eles
querem serem capazes de controlar os filhos nos mínimos detalhes.
Depois o filho sai para brincar e bate nos colegas porque estes não
fazem o que ele quer que eles façam – de novo, a maria pelo
controle. Pergunto: onde ele aprendeu isso, dentro ou fora de casa?
Depois os pais o agridem por isso, e o menino, é claro, se sentirá
injustiçado. Será que o chinelo é mesmo tão necessário quanto se
acredito? Ou será que isso é simplesmente resultado da falta de
paciência (e talvez até de tempo) para se resolver os problemas de
uma maneira melhor? Será que as crianças violentas podem ser
acusadas de saber que o que elas fazem é errado? Ou será que
trata-se apenas da aprendizagem que elas tiveram – seja em casa, na
escola ou na rua?
Mas os criminosos devem pagar pelos seus crimes! Pagar? Mas pagar o
quê? E para quem? Alguém por um acaso está lucrando com isso? Os
cadáveres voltam à vida por isso? As feridas se cicatrizam? Ou será
que, pelo contrário, ainda mais raiva se espalha pela sociedade numa
bola de neve que não vai parar de crescer até nós decidirmos
repensar este sistema?
O desgosto em ver pessoas más impunes fez com que, há vários
milênios atrás, os homens inventassem a
condenação
após a morte. Punição é um conceito desprezível, não cabe a uma
pessoa sensata e muito menos a um ser hipoteticamente onisciente,
onipotente e benevolente. Dizer que, por outro lado, o inferno é
consequência da maldade e não uma punição é apenas mudar os
meios pelos quais os condenados vão parar lá, isso não impede que
o conceito em si seja vil. Ainda mais quando quem crê tem a ilusão
de que o conceito de “justiça” (quando na verdade é vingança)
foi inventado pelo inteligentíssimo Deus e não pelos estúpidos
homens.
Sinceramente, se existe um Deus, ele deve estar bem ofendido com essa
ideia brilhante que os homens decidiram atribuir a ele. Imagine que
você seja um pintor profissional, daí vem um povo que não sabe
nada sobre pintura faz uma casinha de criança, coloca uma moldura e
fala que foi você quem a pintou. Deve ser assim que Deus se sente
com tantas sandices em que as pessoas costumam colocar a assinatura
ele: ou ele está revoltado ou está cagando nas suas sagradas calças
de tanto se rir.
Bem, antes que saiam por aí falando que o Bandeirinha deve estar
louco em achar que os criminosos não devem ser condenados pelos seus
crimes, deixe-me dizer que não foi isso o que eu disse.
Aliás, dado que maldade pode até não ser intencional, temos um
dever ainda maior de impedir que a maldade aconteça e isso inclui um
sistema de justiça que seja capaz de condenar pessoas e removê-las
do convívio em sociedade se necessário. Punição com intenção de
causar dor e sofrimento em vez de aprendizagem, entretanto, não faz
sentido algum. Pelo contrário: só piora ainda mais a violência na
sociedade.
Saibam a diferença: causar dor aos criminosos não é de interesse
público, mas de vontade
pública. Muitas vezes o que o povo precisa
não é aquilo que o povo quer
e o desejo do povo
muitas vezes lhe é prejudicial.
Com esta análise, fica claro por
que Jesus era tão obcecado com sua filosofia de amar os inimigos e
de não julgar para não ser julgado. Deveríamos, em vez disso,
fazer o possível para manter a ordem e o bom convívio entre os
cidadãos e esquecer dos nossos impulsos instintivos de desejo de
vingança. Ao invés de fazer as pessoas pagarem pelo que fizeram, a
prioridade deveria ser ensiná-las a serem pessoas civilizadas, e de
preferência antes que
os crimes sejam cometidos. Isso porque o ensino
e a discussão são
meios eficazes para acabar com a violência. O medo da punição, por
outro lado, não combate a violência: pelo contrário, é uma
eficientíssima forma de gerá-la.